sábado, 27 de fevereiro de 2010

Em defesa do vale night

Publicado no Jornal do Commércio em 21.02.2010.
Revista JC - Número 236 - Pag. 18.
Sexo@cidade - Flávia de Gusmão
flgusmao@jc.com.br

Sou totalmente a favor do vale night, esta modalidade divulgada incansavelmente pela banda Asa de Águia durante o Carnaval. O vale night, pelo que pude entender, é uma espécie de saída honrosa para os que querem permanecer juntos, mas também querem poder desfrutar de uma folga do amor em tempo integral, o que, convenhamos, cansa mesmo.
O hit caiu como uma luva para os foliões, mas ele não deveria ficar restrito a uma única época do ano. O vale night vai demorar a pegar, afinal, liberdade com responsabilidade ainda é um conceito muito confuso entre os hábitos nacionais. Na referida canção, o protagonista da trama (pode ser ele ou pode ser ela) berra em alto e bom som que tudo o que precisa para ser feliz é de uma folga, umazinha que seja, uma espécie de passe livre que lhe permita sair sem a tradicional escolta que sempre é imposta pelo compromisso de ser casal, mas com a responsabilidade de quem quer continuar sendo casal. Confuso? Será?

Na verdade, não há qualquer novidade na dinâmica do passe livre. A verdadeira inovação aqui, me parece, é dar nome aos bois. Gerações e gerações têm usado o vale night sob falsos pretextos. Eles dizem que estão saindo para uma noite com os rapazes, elas contrapõem alegando que a quarta é dia de sair com as meninas. O agrupamento genérico, masculino e feminino, me parece mais uma desculpa esfarrapada para dizer o indizível, que seria: “Amor, vamos cada um para um lado, pelo menos duas vezes por semana, porque não tem quem possa viver enganchado feito corda de caranguejo”, o texto aqui é livre, cada um tem um seu, mas a ideia é praticamente a mesma.

É curioso observar que esta ideia de que tudo no mundo, depois que a gente se assume como casal (namoro, noivado, casamento), tem que ser, obrigatoriamente, feito simultaneamente a dois, é justamente o que torna, em alguns momentos, insuportável a ideia de assumir um compromisso. Não é à toa que todos os grupos que lidam com dependentes (álcool, narcóticos, bulímicos) evitam usar a expressão “para sempre” em suas normas de conduta. É sempre um dia de cada vez.

Esta é uma noção que, pelo que pude observar nos adolescentes à minha volta, começa a ser cultivada desde bem cedo, quando estamos apenas aprendendo os truques de conseguir um vínculo com alguém e, mais importante ainda, mantê-lo. Aprendemos com os nossos pais, que aprenderam com os pais deles, ensinaremos aos nossos filhos e eles aos filhos deles que compromisso é sinônimo de prisão. Não admira que, passados alguns anos juntos, surja um inevitável cansaço do outro. É engraçado, mas, a individualidade é soberanamente confundida com egoísmo, e é aí que tudo vai ralo abaixo e a gente começa a procurar passes especiais que nos garantam uma liberdade, ainda que temporária.

Algumas situações são tão carregadas de medo e ansiedade que foram banidas de qualquer relacionamento. Admitir que gostaria de ir a algum lugar só, e não acompanhada, em algum momento da nossa história, não se sabe por que, foi traduzido como: “Você não me ama mais”. E nem sempre, ou quase nunca, é verdade. Quando a gente é bem jovenzinho (e depois de maduro fica tão acostumado que acaba se repetindo) a gente acredita que se não mantivermos uma vigilância constante sobre a pessoa que amamos algo de muito terrível irá afastá-la de nós. É por isso que a gente fica tão frustrado quando, por mais esforço que tenhamos empregado em ser 100% visível e presente acabamos justamente por perder o que desejávamos, a todo o custo, manter.

Dizer: “Vai você, que hoje eu não tô com muita vontade”, sem fazer caras e bocas, trombas e cobranças, pode ser infinitamente mais terapêutico do que agir como guarda de trânsito desesperado para descobrir uma falha no veículo. Todo mundo precisa de um, de um, não, de vários vales nights por ano.

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